segunda-feira, 8 de janeiro de 2007

Introdução

Em condições normais as células humanas contêm 46 cromossomas, sendo 22 pares de autossomas e 1 par de cromossomas sexuais (XX em mulheres e XY em homens). Os processos de replicação do DNA e transcrição têm por base um correcto emparelhamento das bases complementares. Contudo, em qualquer um destes processos podem ocorrer erros que correspondem a alterações súbitas do material genético. A maioria desses erros não têm consequências genotípicas nem fenotípicas devido a mecanismos constantes de reparação de DNA, e pelo facto de serem pouco frequentes. Em determinadas situações podem acarretar graves consequências, uma vez que podem ser transmitidas à descendência. As alterações do material genético denominam-se de mutações.
Pode ocorrer em qualquer célula, tanto em células da linhagem germinativa como em células somáticas. Podem ter também diversas origens: podendo ser ocasionais, tomando parte na pequena probabilidade de erro espontâneo no momento da replicação do DNA na mitose ou na meiose (mutações espontâneas); podem ser provocadas por agentes mutagênicos de origem eletromagnética, química ou biológica (mutações induzidas). Acontecendo isto, podem-se formar células ou organismos inteiros com genoma aberrante, com variações numéricas ou estrutural dos cromossomas.
Neste trabalho concentramos as atenções nas mutações cromossómicas. As mutações cromossómicas mais comuns são as estruturais podendo ocasionar a perda de genes, a leitura duplicada ou erros na leitura de um ou mais genes.Podem acontecer por deleção, duplicação, translocação ou inversão de partes de cromossomas.
Duplicação è quando ocorre a presença de um pedaço duplicado do cromossoma, acarretando uma dupla leitura de genes.
Deleção è quando ocorre a perda de um pedaço do cromossoma, com consequente perda de genes.
Translocação è quando ocorre a troca de pedaços entre cromossomas não homólogos, provocando erros na leitura.
Inversão è quando ocorre a quebra de um pedaço do cromossoma que se solda invertido, provocando erros na leitura dos genes.
As variações numéricas podem ser de dois tipos:
* Euploidias-A monoploidia corresponde à perda de metade do material genético, em que o indivíduo passa a possuir n cromossomas.
A poliploidia é uma alteração cromossómica em que todo o genoma é duplicado, por vezes, repetidamente. A sobrevivência de um indivíduo poliplóide é impossível, e quase todos os casos de triploidia (3n) ou de tetraploidia (4n) somente foram observados em abortos espontâneos.
A triploidia provavelmente resulta da falha de uma das divisões da maturação no oócito ou, geralmente, no espermatozóide.
Os tetraplóides são sempre 92, XXXX ou 92, XXYY, resultantes em geral de uma falha da conclusão de uma divisão por clivagem inicial do zigoto.
* Aneuploidias-Há um aumento ou diminuição de um ou mais pares de cromossomas, mas não de todos.A maioria dos pacientes aneuplóides apresenta trissomia (três cromossomas em vez do par normal de cromossomas) ou, menos frequente, monossomia (apenas um representante de um cromossoma), assim como também podem apresentar nulissomia (ausência de um par de cromossomas).O mecanismo cromossómico mais comum da aneuploidia é a não-disjunção meiótica, uma falha da separação de um par de cromossomas durante uma das duas divisões meióticas.As conseqüências da não-disjunção durante a meiose I e a meiose II são diferentes:
Quando o erro ocorre na Meiose I, os gâmetas ou apresentam um representante de ambos os membros do par de cromossomas ou não possuem todo um cromossoma.
Quando o erro ocorre na Meiose II, os gâmetas anormais ou contém duas cópias de um cromossoma parental (e nenhuma cópia do outro) ou não possuem um cromossoma.
As aneuploidias deve-se principalmente á não-disjunção de um (ou mais) cromossoma(s) para as células filhas durante a meiose ou durante as mitoses do zigoto. A não disjunção na mitose decore do não rompimento do centrômero no inicio da anafase ou da perda de algum cromossoma por ele não se ter ligado ao fuso. A não-disjunção na meiose é devido a falhas na separação dos cromossomas ou dos cromatídeos, que separam-se ao acaso para um pólo e para outro. O gâmeta com cromossoma em excesso, no lugar de ter apenas um cromossoma de um dado par, terá dois cromossomas paternos ou maternos. Quando a não-disjunção é pré-zigótica, ela pode ter ocorrido na espermatogénese ou na oogénese. Na origem de indivíduos com dois cromossomas X e um Y, a contribuição feminina é maior que a masculina; por outro lado, 77% dos casos onde há apenas um X e dois cromossomas Y têm origem em erros ocorridos durante espermatogênese. Nas aneuploidias autossómicas, a influência da idade materna leva a supor que a participação feminina é maior que a masculina. As aneuploidias ocorridas por erros na mitose do zigoto ou na segmentação dos blastómeros são menos frequentes.
Este trabalho focaliza as atenções na Sindrome de Klinefelter.

Síndrome de Klinefelter

A descoberta
O Dr. Harry Klinefelter ao trabalhar no projecto de consumo de oxigénio na glândula adrenal em conjunto com o Dr. Howard Means atendeu um paciente com um caso raro no qual um homem desenvolveu seios (Ginecomastia).
Ao estudar este caso, o Dr. Klinefelter relatou nos seus exames infertilidade, liberação de Gonodaestimulina (GnRH), um elevado nível de liberação de Folículo Estimulante (FSH) e Luteinicoestimulina (LH).
Com estes resultados foi publicado no Jornal de Metabolismo e Endocrinologia Clínica (1942), um artigo intitulado “Síndrome caracterizada por Ginecomastia, espermatogénese e aumento da excreção de Folículo Estimulante (FSH)”, tendo como autores, Klinefelter H F, Reifestein E C Jr., e Albright F..
Desde então, a literatura só chama esta condição de síndrome de Klinefelter (SK).
Até 1960 o diagnóstico era feito através de exame histológico dos testículos que, mesmo após a puberdade, revelava ausência de células germinativas nos canais seminíferos. Actualmente a identificação dos Klinefelter é assegurada pelo cariótipo e pela pesquisa da cromatina sexual, através de um exame feito com uma amostra de sangue.
As estatísticas mostram que a cada 850 nascimentos é encontrado um menino com a síndrome.

Características
A síndrome de Klinefelter é caracterizada pela adição de um (ou mais) cromossomas X ao complemento cromossómico masculino (XY) normal, formando, geralmente, um indivíduo com cariótipo 47,XXY. Na síndrome de Klinefelter, o cromossoma X extra surge esporadicamente como resultado de não-disjunção meiótica (quando um cromossoma não se separa durante a primeira ou segunda divisão da gametogénese) ou por não-disjunção mitótica (durante o desenvolvimento do zigoto). A probabilidade de não-disjunção do cromossoma X aumenta com a idade materna. A aneuploidia XXY é a anomalia mais comum dos cromossomas sexuais, porém a maioria não é diagnosticada, o que prova que os indivíduos afectados podem levar uma vida normal. Os indivíduos portadores desta síndrome são fenotipicamente homens, mas com algumas características femininas, particularmente com relação às características sexuais secundárias, tais como: presença de seios (ginecomastia), ausência de pelos, próstata pequena e testículos pequenos e firmes. Outras características desta síndrome são: esterilidade, problemas de aprendizagem e/ou sociais, elevada estatura e membros relativamente longos. Apesar da esterilidade eles conseguem completar normalmente as funções sexuais de erecção e ejaculação, porém produzem uma baixa quantidade de sémen. O cariótipo mais comum (aproximadamente ¾ dos casos ) para esta síndrome é 47,XXY, mas os sintomas da síndrome geralmente ocorrem seja qual for o numero de cromossomas X presentes além do par XY. As variantes da síndrome de Klinefelter são muito menos frequentes, tendo os 48,XXYY e os 48,XXXY uma incidência de 1 por 50.000 seres vivos do sexo masculino. A incidência de 49,XXXXY é de 1 por 85.000-100.000 seres vivos do sexo masculino e é a variante mais grave desta síndrome. O cariótipo é essencial para fazer um diagnóstico definitivo. Os efeitos no desenvolvimento mental e físico aumentam com o número de cromossomas X extra, sendo que, por cada um destes se verifica uma diminuição no QI de 15-16 pontos. A linguagem é principalmente afectada, sobretudo as capacidades expressivas.

Evolução e sintomas
É de esperar que indivíduos com a síndrome de Klinefelter tenham uma esperança média de vida normal, no entanto há a referir um aumento considerável de acidentes vasculares cerebrais (6 vezes superior à população geral), assim como na incidência do cancro (1,6%). O atraso da linguagem (51%), o atraso motor (27%) e problemas escolares (44%) complicam o desenvolvimento destas crianças e em alguns estudos estão descritos comportamentos anti-socias e psiquiátricos. Outros apontam para uma boa adaptação social e no trabalho.
Outra complicação é o défice auditivo, no entanto não está descrito um aumento da frequência de infecções respiratórias na infância, ao contrário das doenças auto-imunes (diabetes mellitus; doenças do colagéneo).
Características da (SK):
· Alta estatura
· Anomalia cromossómica numérica
· Testículos e próstata pequenos
· Esterilidade
· Membros longos
· Micropénis
· Puberdade tardia/hipogonadismo
· Proporção anormal do corpo
· Clinodactilia do quinto dedo (encurvamento da falange média do quinto dedo)
· Doença do movimento
· Escoliose (curvatura lateral da coluna vertebral)
· Ginecomastia (crescimento excessivo das glândulas mamárias masculinas)
· Obesidade generalizada
· Osteoporose
· Prega palmar
· Alteração do comportamento/autismo (ex: fobias, perturbações de sono ou da alimentação, crises de birra ou agressividade (auto-agressividade) )
· Atraso mental (ligeiro)
· Braquicefalia/achatamento occipital (cabeça larga e curta (crânio achatado atrás) )
· Hiperglicemia/diabetes mellitus
· Hipospádias (Anormalidade estrutural do pênis que possui sua abertura em um local diferente do normal)
· Ausência de pêlo facial e corporal

Diagnóstico
Esta síndrome raramente é diagnosticada no recém-nascido face à ausência de sinais específicos. O diagnóstico precoce permite a intervenção atempada, seja ela psicológica ou farmacológica. O rastreio de problemas visuais e auditivos, assim como a avaliação do desenvolvimento, devem ser realizados periodicamente. As anomalias constatadas devem ser seguidas em consultas de especialidade.
Se o diagnóstico não for feito no período pré-natal, os indivíduos 47,XXY podem apresentar diversos sinais clínicos subtis que estão relacionados com a idade. Durante os primeiros anos de vida, o diagnóstico da S. Klinfelter pode ser feito através do cariótipo e pela pesquisa da cromatina sexual, através de um exame feito com uma amostra de sangue. As crianças em idade escolar podem apresentar atraso da linguagem, problemas de aprendizagem ou do comportamento. As crianças mais velhas ou adolescentes podem ser diagnosticados durante uma avaliação endocrinológica por atraso do desenvolvimento pubertário que apresentam ginecomastia e testículos pequenos. Os adultos são muitas vezes avaliados por infertilidade ou neoplasia mamária. Através do sangue identifica-se também a qualidade e quantidade de hormonas do indivíduo a ser examinado. Um indivíduo afectado apresenta liberação de Gonodaestimulina (GnRH), Luteinicoestimulina (LH) e um elevado nível de liberação de Folículo Estimulante (FSH), responsável pela maturação dos óvulos, também tem um baixo teor de Testosterona.

Tratamento e prevenção das complicações
Muitas vezes detecta-se a anomalia apenas quando problemas comportamentais, desenvolvimento pubertal anómalo ou infertilidade aparecem. A puberdade apresenta problemas particulares secundários aos problemas genitais já referidos. Para uma melhor resposta, o tratamento com testosterona deve ser iniciado pelos 11-12 anos de idade. Está demonstrada a sua eficácia numa percentagem importante de doentes, tanto em aspectos psico-sociais como físicos. O tratamento deve resultar em desenvolvimento normal do paciente, tanto físico como sexualmente, incluindo crescimento de pêlos púbicos, aumento do tamanho dos testiculos, crescimento de barba, agravamento da voz, aumento da força muscular, ajudando a prevenir a ginecomastia. Por estes motivos estas crianças e adultos jovens devem ser acompanhados numa consulta de endocrinologia.
Esta anomalia genética está associada à idade materna avançada. Num casal com um filho com a síndrome de Klinefelter, o risco de recorrência é igual ou inferior a 1%. O estudo familiar é habitualmente desnecessário, salvo em raras situações. Nem sempre a infertilidade é a regra. Caso se encontrem indivíduos férteis, deve ser oferecido o diagnóstico pré-natal a fim de excluir alterações cromossómicas uma vez que existe um risco acrescido das mesmas.

Prevenção
Actualmente, não há nenhuma maneira de prevenir a Síndrome de Klinefelter.


Caso Clínico

“CPR, 33 anos, masculino, casado, natural e procedente de Belo Horizonte (MG), foi encaminhado ao serviço de endocrinologia pela equipa cirúrgica da
Santa Casa de Belo Horizonte, em 1995, para avaliação de ginecomastia.
O paciente queixava-se de aumento progressivo da mama direita há cerca de três anos, com aumento consequente da mama esquerda, com dor local e ausência de galactorréia, associados à atrofia testicular, além de sinais de labilidade emocional decorrente do quadro. A história dele revelou um passado de poliomielite sem sequelas, etilismo grave (cerca de 300mg de álcool/dia) cessado há onze anos, não fazendo uso de medicação alguma, com presença de características sexuais preservadas, sem alteração da libido. Ao exame clínico o paciente apresentava biótipo eunucóide (longilíneo com predomínio do segmento inferior), com altura de 170cm, peso de 76kg e índice
de massa corporal (IMC) de 26kg/m2. O exame do aparelho genitourinário revelou padrão masculino de distribuição de pêlos, testículos endurecidos, firmes e de volumes reduzidos (menor que 5ml) e mamas do tipo G5P5B3-4, com presença de tecido glandular peri-areolar. Na ocasião, os níveis pressóricos foram compatíveis com hipertensão arterial sistêmica leve (grau I), sem controlo de medicamentos. Os exames laboratoriais revelaram níveis plasmáticos elevados de hormonas estimulantes de células intersticiais (15,2UI/L, VN: 1,1-11,7), folículo estimulante (FSH) (18UI/L, VN: 0,9-15), testosterona livre (9,5ng/dl, VN: 18-55), espermograma (volume: 4,0ml e pH 8) com ausência de espermatozóides ao exame directo e após centrifugação e níveis plasmáticos normais de prolactina, estradiol e HCG. Os exames de glicose, hemograma e raio-X de sela túrcica não apresentaram alterações. Optou-se pela realização de biópsia testicular bilateral, que demonstrou túbulos seminíferos fibrosados e hialinizados, hiperplasia de células de Leydig e túnica albugínea espessada por fibrose. O quadro histológico e o diagnóstico de azoospermia secretora bilateral indicava síndrome de Klinefelter, o que foi confirmado pelo cariótipo 47,XXY do paciente.
O tratamento consistiu da administração de Durateston®, por via intramuscular, com intervalos de 21 dias. Foi realizada correção cirúrgica de ginecomastia (pHRS). Após seis anos de acompanhamento, observou-se melhora do quadro clínico, com redução da mama, redução dos níveis séricos de ICSH, aumento da disposição para atividades gerais, maior vigor físico e sexual, segundo relato do paciente, com estabilidade emocional e melhora da qualidade de vida.”



Conclusão

Na realização deste trabalho verificamos que há várias e diferentes formas em que as mutações se podem manifestar. Em particular, falamos duma doença rara, a síndrome de Klinefelter, que é uma mutação cromossómica numérica, mais explicitamente uma aneuplodia designada de trissomia caracterizada pela adição de um (ou mais) cromossomas X ao cariótipo normal masculino (XY) apresentando na maioria dos casos o cariótipo 47,XXY. Verificamos que esta síndrome devia-se principalmente a erros na disjunção cromossómica durante a oogénese ou a espermatogénese. Os indivíduos afectados pela síndrome apresentada são fenotipicamente homens, apresentando, no entanto características femininas, nomeadamente presença de seios, ausência de pêlos faciais e corporais, entre outras características. Estes indivíduos demonstram também alterações comportamentais e algum atraso mental, o que lhes provoca, durante a fase de infância, problemas de aprendizagem e/ou sociais. Na maioria dos casos a S. Klinefelter só é detectada na fase da adolescência, devido há ausência de sinais específicos em idades anteriores. O tratamento com testosterona deve ser iniciado pelos 11-12 anos de idade. Está demonstrada a sua eficácia numa percentagem importante de doentes, tanto em aspectos psico-sociais como físicos. Actualmente a identificação dos Klinefelter é assegurada pelo cariótipo e pela pesquisa da cromatina sexual, através de um exame feito com uma amostra de sangue.